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MENSAGEM AOS PARLAMENTARES APRESENTADA NA AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE OS PROJETOS DE COTAS E DO ESTATUTO EM 03 DE AGOSTO DE 2006

 

 

Senhoras e Senhores Parlamentares,

 

O debate sobre as cotas ganhou a sociedade e esta Casa tem a responsabilidade de tomar uma decisão, que talvez seja uma das mais importantes desde a constituição de 1988. Apesar da importância do debate público sobre o tema, as audiências públicas não conseguem traduzir a dimensão debate na sociedade e oferecem poucos elementos para que V. Exas. tomem uma decisão. Este debate é um debate político, um debate de opinião onde até os chamados especialistas argumentam a partir do seu lugar de classe, de raça ou dos interesses que os mobilizam. V. Exas. estão frente a uma decisão política, em que mais importante do que as audiências é a escuta do que vem da sociedade e dos movimentos sociais, em especial dos jovens que estudam nas escolas públicas e nos cursos pré-vestibulares populares em todo país. 

 

Como porta voz do Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes e integrante do grupo que organizou o Manifesto em Favor da Lei de Cotas nas Universidades e do Estatuto da Igualdade Racial, afirmo que as políticas de cotas são fundamentais não apenas para a população negra, mas para o Brasil, pois em face do racismo que estrutura nossas instituições as cotas representam a igualdade contra o privilégio, a multiplicidade contra a uniformidade e a participação contra a partilha. E afirmo isso a partir do crescimento da opinião pública favorável às cotas. Em 2000 o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas encomendou uma pesquisa, feita pelo instituto DataUFF, que apontou que 51% da população era favorável às cotas; em 2003, pesquisa da Fundação Persou Abramo apontou que 59% era favorável; e, neste mês de julho, pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pela Rede Globo e pela Folha de São Paulo, apontou que 65% é favorável.

 

Além disso, o manifesto em favor das cotas, entregue aos presidentes da Câmara e do Senado no dia 04 de julho último com 582 assinaturas, hoje tem 2350 assinaturas, que são mais que assinaturas individuais, são assinaturas representativas de vários setores: professores de 72 universidades públicas e privadas deste País (sendo 44 professores da UFRJ, universidade em que os professores Yvonne Magie e Peter Fry são membros), nomes representativos da mídia, do cinema, da música, do teatro, do campo empresarial, do movimento negro, sindical, estudantil, dos cursos pré-vestibulares para negros e carentes. Este manifesto é muito mais que uma resposta aos novos apologetas da democracia racial. É expressão de um desejo social que o Congresso Nacional não pode ficar alheio. E, para aqueles que insistem em se pautar na opinião de especialistas, é bom que saibam que a maioria das pessoas que assinam o manifesto em favor das cotas são pesquisadores, ativistas e, portanto, especialistas sobre a questão racial no Brasil.  No Manifesto em favor das cotas e do Estatuto da Igualdade Racial há muito mais especialistas que qualquer outro manifesto já escrito sobre este tema até hoje. Por isso esse manifesto apresenta argumentos e propostas baseados em dados e análises, e não apenas uma defesa da hipócrita declaração formal de que somos todos iguais. A UERJ, este ano, formará os primeiros alunos cotistas e isso acontecerá sem que tenha ocorrido os conflitos raciais previstos pelos beneficiários do racismo acadêmico. Esses conflitos já existem e as cotas são medidas que ajudarão a superá-los.

 

Martin Luther King sonhava com uma sociedade em que as pessoas não sejam julgadas pela cor de sua pela, mas para isso achava que os negros deviam ter direitos a tratamentos específicos. As pessoas que desonestamente usam Luther King contra as cotas deturpam seu sonho e seu legado. A sociedade concorda com as cotas e aos parlamentares cabe, muito mais que uma decisão com base em convicções individuais, a tradução desse desejo coletivo em políticas concretas. A democracia é um processo de construção permanente de condições objetivas de igualdade e, por isso, o Brasil precisa da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e da cotas nas universidades.

 

Alexandre do Nascimento - Pré-Vestibular para Negros e Carentes

 

Brasília, Audiência Pública no Senado, 03 de agosto de 2006.